Nietzsche e Paulo Freire em busca da consciência e da liberdade

Autor: Ana Oliveira - Estudante de Jornalismo

Tão bela quanto profunda é a obra de Nietzsche. Em “Assim falou Zaratustra”, o filósofo alemão descreve as metamorfoses pelas quais o ser humano deve ar para alcançar a liberdade: a emancipação desejada pelo camelo, um reflexo de sua pequena autonomia no mundo; a liberdade do leão, que lhe ensina a dizer não; e por fim a da criança, capaz de colocar no mundo aquilo que possui de mais genuíno. Trata-se de uma belíssima metáfora para o caminho do autoconhecimento.

Outro importante pensador que abordou o tema da liberdade, a partir do princípio da autonomia do indivíduo, foi o brasileiro Paulo Freire. No artigo Da transitividade da consciência freiriana para as metamorfoses do espírito de Nietzsche, publicado na última edição da Revista Intersaberes, o doutor em Ciências da Educação Peri Mesquida e o mestre em Educação Maurício Eduardo Bernz propõem um diálogo entre os pensamentos de Nietzsche e Freire – dois autores distantes no tempo, mas cujos princípios estão muito próximos. Ambos foram muito críticos à política e à educação desumanizante de suas épocas.

A investigação teve como propósito estabelecer, pela análise interpretativa, um diálogo filosófico-pedagógico entre a leitura político-educacional de Freire no Brasil e o pensamento filosófico do alemão Nietzsche. Os dois pensadores defenderam projetos para uma educação prática libertadora, a saber, pautada na autonomia do indivíduo, na sua liberdade e, consequentemente, na sua humanização.

Nietzsche diz que inicialmente o espírito é um camelo. Carrega em si mesmo tudo o que há de mais pesado, os valores e as crenças que não necessariamente lhe pertencem e que pesam em seu espírito. O camelo é a obediência servil sem questionamento. Não questiona a vida, não reconhece seu papel no mundo e representa o total desconhecer de si mesmo.

Quando se enche de fardos, o camelo marcha para o seu próprio deserto. E lá se transforma em um leão. É uma travessia necessária, um caminho de descoberta da própria solidão, que traz ao espírito o início da elevação. O leão é o que diz não. É o espírito libertário que se revolta contra as imposições, contra a opressão de valores impostos pela sociedade. O leão encontra em si mesmo os valores da vida que havia perdido.

Como argumentam os autores, o leão vislumbra então novas formas de criação e torna-se uma criança, um espírito lúdico e inocente que joga naturalmente com a vida, como uma grande brincadeira. A criança vive plenamente, de corpo e alma, o momento presente, livre do medo. É a inocência do retorno a si mesmo, de tornar-se realmente quem se é e amar incondicionalmente o seu próprio destino, trazido pela descoberta do amor como fonte de toda a vida.

Na época em que Paulo Freire desenvolveu seu trabalho, o Brasil caminhava para a ditadura militar. Nossa sociedade alienada convivia com altos índices de analfabetismo e propostas educacionais atrasadas, e era regida por uma elite dominadora, não integrativa. Diante desta realidade opressora, a proposta de uma educação libertadora se fazia uma tarefa altamente importante.

Freire também pensou em três estágios de desenvolvimento da autonomia, que ele chamou de intransitividade, transitividade ingênua e transitividade crítica. Uma comunidade intransitivada em sua consciência, como Freire intitula a sociedade brasileira de sua época, se caracteriza pelas formas mais vegetativas de vida, ou seja, ela apenas se ocupa de preocupações vitais, alienada de qualquer pensamento ou reflexão.

Ao o que o indivíduo amplia seu poder de compreensão e interage com aquilo que o cerca, de forma direta, aumentando sua disponibilidade para o diálogo, ele se transitiva. Suas preocupações e atividades se estendem a distâncias mais longas, muito além da preocupação vital. Segundo Freire, esta transitividade da consciência leva o homem a vencer seu compromisso com a existência.

Por fim, chega-se ao estágio da transitividade crítica, representado pela figura da criança. Em sua inocência, a criança se torna livre de todas as interpretações morais, pois ela não busca finalidades, ela vive a liberdade da vontade, sem restrições.

Ao aproximar o pensamento de Freire da filosofia de Nietzsche, os autores concluem que “se transcendermos esta reflexão para uma esfera maior, no que consiste a uma sociedade também entendida como ser, concluímos que, somente quando ela se entender como sociedade para si, ela abrirá caminho para seu desenvolvimento – sua liberdade”.

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Autor: Ana Oliveira - Estudante de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro


5 thoughts on “ Nietzsche e Paulo Freire em busca da consciência e da liberdade

  1. Se eu não estiver enganado, foi Friedrich Nietzsche que disse “Deus está morto”, e cujas ideias influenciaram fortemente o genocida Adolf Hitler. Paulo Freire, se eu também não estiver enganado, foi um comunista cujos livros, especialmente “Pedagogia do Oprimido” reuniu uma generosa coleção de elogios á Fidel Castro, Lenin e outros da mesma estirpe socialista do ado. Acredito que as ideias de Freire contribuíram, não para formação de educadores, mas sim militantes para a causa marxista. Essa é a razão da educação brasileira estar tão atrasada em relação ao resto do mundo. É apenas minha opinião!

    1. É triste ler algo assim nos dias atuais, antes de sair comentando coisas na internet, ou até mesmo presencialmente, é sempre bom conhecer o assunto! Nietzsche pode ser bem complicado de se entender, ainda mais quando se tem uma interpretação deturpada e conservadora, por isso, recomendo fortemente ler e pesquisar mais sobre o mesmo antes de sair manchando a memória e os ideias de nomes de grande peso tanto na filosofia, quanto em outros aspectos mais gerais de nossa sociedade.

      Mesmo discordando de cada aspecto desse seu comentário, te desejo toda a felicidade e paz em sua vida! E lembre-se de ler mais vezes.

      Abraço!

    2. O problema de tua resposta está posto em suas palavras finais. “Apenas opinião”. A medida que tiveres o compromisso de debruçar-se sobre a obra de Nietzsche, bem como de Freire, que por sinal você os conceitua de forma inadequada e superficial, verás que Paulo Freire e Nietzsche possuem pontos convergentes muito importantes para a reflexão sobre a educação em nosso tempo. Enquanto Freire fala de educação bancária, Nietzsche fala da educação jornalísticas e, estudando essas categorias em ambos os pensadores, veremos que o conceito são semelhantes, sem contar que ambos tratam da educação para a cultura, fazendo uma crítica aos acúmulos de conhecimentos que tanto nosso sistema educacional nos impõe. Ambos defendem uma educação para a vida, para a liberação. Enquanto Nietzsche propõe o Além do homem como vocação à superação de si, Freire nos fala da vocação ontológica para Ser Mais. Existem muito mais pontos convergentes entre o pensamento desses autores, que possa supor a sua vã filosofia das opiniões.

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