Fazer ciência é coisa de mulher, sim
Autor: Nayara Rosolen - Analista de Comunicação
O Brasil é o terceiro país com maior participação feminina na ciência. De acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, as mulheres representam cerca de 49% dos pesquisadores no país, 11% a mais do que no início dos anos 2000. O dado é um levantamento feito entre os anos de 2002 e 2022, divulgado em março de 2024. Embora essa porcentagem tenha crescido nos últimos 20 anos, as mulheres ainda enfrentam desafios.
Maior participação das mulheres em pesquisa implica também um avanço em estudos de gênero. Mas ainda há um longo caminho para que a produção de conhecimentos não sigam majoritariamente o ponto de vista dos homens. Segundo a Unesco, as mulheres representam apenas 33,3% dos pesquisadores no mundo.
Um dos principais motivos para essa sub-representação das mulheres está no acúmulo de atribuições pelas quais ficam responsáveis. Para além do mercado de trabalho, quando estão inseridas, enfrentam duplas e triplas jornadas com os cuidados de casa e a maternidade.
Somado a isso, a doutora em Comunicação e Linguagens, Máira Nunes, docente na Escola Superior de Gestão, Comunicação e Negócios (ESGCN) e líder de projeto de pesquisa sobre gênero e sexualidade na Uninter, destaca o momento atual desafiador, com um avanço do pensamento conservador no mundo todo.
“Tem um discurso muito forte que está tentando trazer de volta a mulher para o espaço doméstico e tirá-la do espaço público. Então, esse é um momento muito difícil, apesar de termos um caminho do século 19 para o final do século 20, por exemplo, de muita articulação feminina, de grupos de mulheres, ocupando espaços de produção de conhecimento, a academia, a ciência, ganhando prêmios e se destacando”, explica.
Para a pesquisadora, há duas questões principais que impactam essa realidade. A dificuldade de a mulher ascender e de ter incentivo para isso, assim como a secundarização e invisibilidade dos resultados por elas adquiridos. Embora sejam maioria nos bancos universitários e pós-graduações, mais homens recebem a bolsa produtividade, por exemplo, para a continuidade da pesquisa após a titulação. Da mesma forma, ainda que venham produzindo e obtendo melhores resultados, estes vão circular quando tiver um homem chancelando, afirmando e publicando.
A historiadora investigou no pós-doutorado, realizado no PPGCOM-UFPR, como as mulheres ocuparam, historicamente, os espaços de produção intelectual, com a pesquisa “Anônimo era uma mulher”: a invisibilidade do trabalho intelectual feminino em Curitiba (1853-1953). Partiu da hipótese de que a produção intelectual feminina foi deliberadamente apagada e minimizada ao longo da história.
Máira destaca que em estudos que tratam das trajetórias das primeiras mulheres, muito se marca o pioneirismo, mas não há investigações a respeito da biografia, quais conhecimentos construíram, o que pesquisavam e qual foi a jornada vivida. A pesquisadora diz que ainda hoje há iniciativas como a parent science, que volta a atenção para mães que pesquisam e tenta diminuir um pouco da desigualdade, além de ampliar o o de mulheres aos locais de produção de conhecimento.
No entanto, afirma que o primeiro ponto para que haja um avanço nesse sentido está na educação básica e o letramento de gênero nas escolas. Para que desde crianças, meninas e meninos aprendam a discussão sobre hierarquização de gênero, sexismo, machismo, e que as garotas sejam valorizadas nas suas iniciativas e conhecimentos.
“A igualdade não vem em casos isolados. Vem como um debate público e como uma ação política. Precisamos de leis, garantias, e não que sejam punitivas. Infelizmente, quando pensamos no caso da violência de gênero, acabamos priorizando a punição depois que já aconteceu. [Precisamos] principalmente pensar em leis que garantam a igualdade de direito, as oportunidades, para que as mulheres possam ocupar esses espaços e reverter o quadro retrógrado que estamos neste momento”, conclui Máira.
Dessa forma, a luta por mais espaço e reconhecimento continua. Na última edição do Prêmio Nobel de Física ou Química, não houve nenhuma mulher entre os indicados. Desde a primeira edição, em 1901, os homens levaram 413 prêmios de ciências, contra apenas 13 das mulheres: Marie Curie, em 1903 (física) e 1911 (química); Irène Joliot-Curie, em 1935 (química); Maria Goeppert-Mayer, em 1963 (física); Dorothy Crowfoot Hodgkin, em 1964 (química); Ana Yonath, em 2009 (química); Donna Strickland, em 2018 (física); s Arnold, em 2018 (química); Adrea Ghez, em 2020 (física); Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, em 2020 (química); Carolyn Bertozzi, em 2022 (química); e Anne L’Huillier, em 2023 (física).
Na Uninter, as mulheres são maioria
Com cerca de mil pesquisadoras em projetos dos Programas de Iniciação Científica (PIC) e de Pesquisa Docente (PPD), as mulheres são maioria no Centro Universitário Internacional, especialmente nas áreas de educação e saúde. Os Programas de Pós-graduação, as Escolas Superiores e a Pró-reitoria de Pós-graduação somam 256 professoras e 633 alunas. Referência em educação à distância (EAD), a instituição possibilita a participação de estudantes de todo o Brasil, assim como dos polos do exterior.
Ainda assim, a coordenadora de Pesquisa e Publicações Acadêmicas do centro universitário, Desiré Dominscheck, reafirma que “a margem nacional da participação de mulheres na pesquisa, em um movimento global, não é satisfatório”. Além das atribuições que as afastam do universo da pesquisa e alavanca os homens, Desiré ressalta que há a questão de produção científica e quanto do tempo as mulheres conseguem se dedicar a artigos científicos para que tenham impacto na área e carreira profissional que atuam. “Por isso, precisamos refletir, divulgar e discutir sobre isso”, complementa a pesquisadora.
Desiré comenta que, embora não existam estratégias ou campanhas na instituição para que mais mulheres se interessem e se insiram no campo da pesquisa, acredita que “o exemplo arrasta”. As escolas de educação e de saúde são as que mais possuem projetos e com grande atuação feminina. Há muitas professoras mulheres formando outras mulheres nas licenciaturas, uma característica e conexão bastante forte a esse processo.
Segundo a coordenadora, a escola de saúde também tem um grande volume de produção, com cerca de 50 projetos de pesquisa ativos, com muitas mulheres envolvidas, não apenas como discentes, mas também coordenando e alavancando. “Acho que são um espelho [para as estudantes]”, diz.
Mesmo em áreas que, muitas vezes, parecem ter mais a atuação de homens, como a escolas politécnica e de negócios, há muitas alunas e docentes que se destacam na produção científica. Assim como nos projetos de mestrados que têm um grande ganho e são alavancados por professoras pesquisadoras, como Desiré.
“Temos que trabalhar para aumentar isso, porque na nossa instituição somos maioria, mas não é o dado nacional verídico. Sabemos que muitas mulheres ficam abaixo e acreditam que pesquisa não é para elas, por causa de outras atribuições da vida. [Mas] fazer pesquisa é para todos e, claro, para nós mulheres também. Também produzimos ciência, temos que trazer inovações para as áreas que nos dedicamos e com maior seriedade, comprometimento, qualidade, como qualquer outro pesquisador”, finaliza a coordenadora.
Máira e Desiré concederam entrevista para a Central de Notícias Uninter (CNU) em comemoração ao Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, marcado em todo 11 de fevereiro. A reportagem em vídeo está na primeira edição do Jornal Uninter (JU) de 2025, transmitido em 19 de fevereiro. O JU vai ao ar todas as quartas-feiras, às 11h30, a partir de agora ao vivo.
Autor: Nayara Rosolen - Analista de ComunicaçãoEdição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Rafael Lemos e Natália Jucoski