A Inteligência Artificial como terapeuta e amiga: avanço ou ilusão?
Autor: *Aline Mara Gumz Eberspacher
O filme Her (2013) nos apresenta uma realidade surpreendentemente próxima da que vivemos hoje. Nele, Theodore, interpretado por Joaquin Phoenix, vive uma vida solitária, marcada pela rotina e por um recente divórcio. Em meio à sua solidão, encontra companhia e consolo em Samantha, um sistema operacional com voz de Scarlett Johansson, cuja inteligência artificial simula amizade, afeto e até amor. O que antes parecia ficção, hoje começa a se tornar realidade.
Segundo uma pesquisa realizada em 2024, um em cada dez brasileiros já utiliza chatbots com inteligência artificial para desabafar ou pedir conselhos. Para muitos, essas conversas funcionam como um bate-papo com um amigo confiável ou até mesmo com um terapeuta. Mas será que esse tipo de interação é, de fato, benéfica para a saúde mental ou estamos apenas criando uma falsa sensação de acolhimento?
Não há problema em recorrer à IA para falar sobre angústias. Esses sistemas são capazes de oferecer respostas pontuais e, em muitos casos, até simular uma escuta acolhedora. Porém, é importante reconhecer que essa escuta é limitada. A IA não compreende o contexto amplo da vida da pessoa, não possui empatia genuína nem histórico emocional do usuário. O que ela oferece é uma resposta momentânea, imediata, não um processo de transformação real, como ocorre na terapia tradicional.
Além disso, há riscos envolvidos. A privacidade dos dados compartilhados com sistemas de IA ainda é uma grande preocupação. Informações sensíveis podem ser armazenadas e usadas de forma indevida. E, mesmo sendo alimentada com uma enorme quantidade de dados, a IA pode apresentar falhas e enviesamentos, levando a conselhos inadequados ou interpretações equivocadas.
O processo terapêutico é, acima de tudo, humano. Envolve troca, empatia, conexão e tempo. Durante uma sessão presencial, o terapeuta observa não só o que é dito, mas também o corpo que fala: a postura, o tom de voz, a maneira de vestir, o caminhar. Esses detalhes ajudam a compreender o paciente de forma integral. E é nesse encontro, olho no olho, que o verdadeiro processo de autoconhecimento se desenvolve.
A terapia não se resume a resolver uma dúvida ou aliviar uma angústia momentânea. É um caminho, feito de escuta, reflexão e transformação. Envolve história, vínculo e acompanhamento contínuo, elementos que a inteligência artificial, por mais avançada que seja, ainda não consegue replicar.
Isso não significa que a IA não tenha seu valor. Para muitas pessoas, especialmente idosos solitários ou moradores de regiões com pouca oferta de profissionais da saúde mental, a IA pode ser uma companhia importante. Em casos de dificuldade financeira, pode ser uma alternativa provisória para aliviar a solidão ou encontrar orientação básica.
Porém, é preciso deixar claro: a IA pode ser uma ferramenta útil, mas não deve ser confundida com uma amizade verdadeira ou um acompanhamento terapêutico profissional. As relações humanas, sinceras, profundas e construídas no tempo, continuam sendo a base de uma vida emocional saudável. Em tempos de tanta solidão, é compreensível buscar refúgio em sistemas que nos escutam. No entanto, mais do que nunca, precisamos valorizar os vínculos reais, aqueles que nos ajudam a crescer, a refletir e a nos reconhecer no olhar do outro.
*Aline Mara Gumz Eberspacher é doutora em Sociologia pela Université Paul Valéry, na França, e coordenadora de pós-graduação da Uninter.
Autor: *Aline Mara Gumz EberspacherCréditos do Fotógrafo: Pixabay