Através da paixão pela leitura, Gabriel escreve sua própria história de conquistas
Autor: Nayara Rosolen - Analista de Comunicação
Gabriel Almeida se apaixonou pelos livros muito cedo, aos dez anos de idade, mas o gosto e interesse pelos estudos aflorou ainda na educação infantil. O jovem concluiu todo o ensino básico com louvor e, aos 25 anos, acaba de defender o trabalho de conclusão de curso (TCC) do bacharelado em Letras Português da Uninter.
Uma trajetória que, à primeira vista, parece comum para jovens que buscam no ensino superior a oportunidade de ascender em uma carreira profissional. No entanto, no caso do egresso, o caminho foi marcado pela sobrevivência logo ao nascer e uma luta constante que não o impediu de se desenvolver e alcançar suas conquistas.
Em 20 de janeiro de 2000, Gabriel nasceu com uma paralisia leve, ocasionada pela dificuldade na circulação do sangue no momento do parto. A partir daí, ou por longas sessões de terapia e fonoaudiologia, o que o ajudou a superar as limitações até então.
Negrinho do Pastoreio foi o primeiro livro que o marcou, aos 11 anos. “Lembro de ter chorado lendo aquela história”, conta Gabriel, que fez a leitura do livro paradidático por recomendação da escola. Assim a Língua Portuguesa, e todas as suas vertentes, se tornou a disciplina favorita dele.
Já aos 17 anos, o então estudante lembra de estudar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com o livro A Teoria de Tudo ao lado. A autobiografia de Stephen Hawking apresenta as descobertas científicas do astrofísico, que ou por uma doença motora degenerativa, mas não o impossibilitou de se tornar um dos cientistas mais reconhecidos por seus feitos.
Em 2019, Gabriel conquistou uma bolsa de estudos em uma universidade da região onde mora, Aracati (CE). A paixão por literatura o fez optar pelo curso de licenciatura em Letras. No ano seguinte, porém, a pandemia ocasionada pela Covid-19 fez com que as aulas fossem para a modalidade remota e percebeu que o curso não era o que esperava.
“Tinha um foco muito extenso na área de educação e, embora eu respeite muito, vi que não era a minha preferência. A literatura, a crítica e a linguagem estavam muito escassas ao meu ver”, conta. Foi quando uma amiga o alertou sobre a existência da graduação do bacharelado em Letras. Ao pesquisar na internet as possibilidades de curso e instituições, chegou à Uninter. “Me apaixonei perdidamente pela grade”, afirma.
A EAD para além do estereótipo do distanciamento
Mesmo sem muito conhecimento sobre a educação a distância (EAD), confiou na sede por estudos e logo adquiriu um notebook para o auxiliar na formação. As referências que Gabriel tinha da EAD era de um ambiente “frio e solitário”. Mas logo no primeiro ano esse estigma do aprendizado a distância foi quebrado.
“Tive contato com a monitoria de língua portuguesa, que me possibilitou estar em contato real com professores incríveis. Sem contar nas tutorias, onde eu fazia milhares de perguntas sobre os conteúdos e sempre era respondido com muita atenção e paciência. Descobri então que a Uninter estava cuidando de mim e o Ava Univirtus era a minha segunda casa, onde ava parte do meu dia e às vezes até madrugadas, estudando ou enchendo a caixinha de tutoria de perguntas”, lembra o egresso.
Na época, a professora Crisbelli Dejamilli Domingos atuava na tutoria da graduação e iniciou o processo de estudos com Gabriel. A docente conta que, embora existisse uma dificuldade de fala e escrita, o estudante sempre teve excelentes notas e se desenvolveu com grandes avanços ao longo do curso.
“Eu acredito que é o caso de maior sucesso da nossa área. Ele não só se desenvolveu, mas se tornou um dos melhores”, destaca. Agora na coordenação, Crisbelli ressalta a participação do então estudante nas monitorias e interação nas aulas síncronas, nas quais sempre marcou presença.
“Eu me sinto muito feliz e realizada, porque ele veio de uma história muito difícil. Quando a gente fala da realidade da educação brasileira, não é isso que acontece. E quando vemos um aluno entrando na área e conseguindo desenvolver tudo isso e com destaque, é essa sensação de algo incrível que aconteceu, que nosso trabalho conjunto fez e que ele se colocou disponível para aprender. Ele aprendeu com a Uninter e a Uninter aprendeu com ele. Todos os professores ficaram emocionados, todos os colegas torceram e estiveram com ele” declara.
A coordenadora diz que a trajetória de Gabriel comprova que a EAD não segue o estereótipo e antiga ideia de que não existe proximidade com professores e colegas, ou mesmo grupos de estudo e diálogos ao vivo durante a formação. “É prova cabal de que todo esse trabalho funciona muito bem. Olha onde ele chegou e onde chegamos com ele. Aprendemos muito. Acho que ele mais nos ensinou do que nós a ele”, conclui Crisbelli.
Do patriarcado à escravidão, Gabriel trouxe à tona a invisibilidade na literatura
Gabriel acredita que não há conquistas sem desafios, pois são eles que possibilitam o crescimento. O egresso cita muitas incertezas, preocupações e inseguranças, mas nenhuma relacionada à paralisia cerebral que sofreu.
Em uma cidade com pouco mais de 70 mil habitantes, o estágio parecia um obstáculo, já que a atuação da Letras fora da educação não é muito cogitada. O primeiro contato com a escrita acadêmica e o desenvolvimento de um artigo científico também foram um desafio, para além da rotina que foi transformada pelo emprego que conquistou, no cargo de repositor, em um supermercado. Mas foi a partida da avó que o fez ar por um período turbulento.
Contrariando os temores de viver em um município pequeno, o estudante estagiou como corretor voluntário de redação em uma organização social. E foi a fé em Deus que o ajudou a lidar com a perda da avó.
Com a mesma perseverança, ele tomou o aprendizado e se destacou também na área de pesquisa. No projeto de iniciação científica tratou do feminismo, no qual trabalhou com a orientação da professora Thays Carvalho, que o acompanhou durante todo o curso na tutoria, após a mudança de cargo da professora Crisbelli.
O tema da escravidão que tanto o tocou ainda no ensino fundamental, por meio da obra do Negrinho o Pastoreiro, também foi abordado no projeto de pesquisa do TCC. Mais uma vez junto de Thays, que se tornou uma “madrinha” na caminhada acadêmica, decidiu analisar a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
“Escolhemos a teoria do cronotopo, de Mikail Bahktin, para analisar o contexto histórico social da escravidão, em dois capítulos específicos. Recentemente foram publicados estudos que revelam que Machado de Assis era um autor negro, que teve sua identidade negra invisibilizada pelo cânone literário. O trabalho de Gabriel foi uma forma de mostrar como Machado de Assis, por meio da linguagem literária, trazia luz à temática da escravidão”, explica Thays.
A docente diz que “é extremamente gratificante trabalhar com um aluno como o Gabriel” e lembra que o contato era constante, por texto ou reuniões agendadas. A profissional acredita em um crescimento e um amadurecimento mútuos.
“Penso que quem saiu ‘ganhando’ nesse processo fui eu. Gabriel me ensinou muito sobre valorizar o conhecimento, valorizar conquistas e aproveitar o que temos de melhor”. Thays lembra um trecho de Paulo Freire, que diz que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. “Isso demonstra o quanto o processo educacional, para ser libertador, deve ser dialógico, uma troca, e não um processo em que o professor dita as regras e o aluno obedece cegamente”, finaliza a tutora e orientadora.
Aproximação com a área acadêmica
Sempre curioso e com o olhar atento para descobrir novos conhecimentos, quando terminou o período de um ano da monitoria em língua portuguesa, Gabriel decidiu tentar a vaga na monitoria de iniciação científica. Embora não tivesse contato com essa escrita, sabia que era um caminho para os estudos literários e linguísticos de maneira mais profunda e teórica.
“Me agarrando a isso, entrei e foi um paraíso. Pude fazer amizades, conhecer alunos de outros cursos. Era muito legal, pois tínhamos tarefas em conjunto à desempenhar, o que me possibilitou enturmar mais, perder um pouco da timidez e ganhar autonomia, pois muitas vezes eu e meus colegas comandávamos os encontros, via Zoom, para debater um assunto”, conta o egresso.
Fã dos livros de Jane Austen, entrou em contato com investigações que tratam da produção literária das mulheres, o que o “encantou”. Gabriel foi impactado ao ver a invisibilidade delas na literatura no que diz respeito à crítica literária de massa. Ali, teve a ideia de mostrar que os livros de Austen não são apenas romances elitistas e bobos, mas que têm uma proposta vanguardista de representação da mulher enquanto ser pensante na sociedade, já no século 19.
Produção que foi publicada no volume 13 do Caderno Intersaberes: transdisciplinaridade e práticas sociais, em setembro de 2024, em um artigo sobre o feminismo e resistência à sombra do patriarcado. “Esse trabalho teve uma grande repercussão na Uninter”, destaca a professora Thays. A partir da pesquisa, Gabriel participou de eventos, como o XXVIII Seminário Multidisciplinar Caderno Intersaberes: EJA, Educação, Línguas e Sociedade.
Desde os 18 anos, Machado de Assis se tornou o autor brasileiro favorito do jovem. Por amar as histórias e conhecer a trajetória de vida, sempre ficou curioso para saber como um homem negro via o mundo de 1800, no qual vivia. Uma antologia crítica do professor Eduardo de Assis Duarte fez Gabriel enxergar o romancista a partir de um viés crítico e abolicionista, mesmo que através da linguagem irônica. Assim decidiu seu tema de TCC, com base no livro preferido escrito por Machado, Memórias Póstumas de Brás Cubas.
“Acredito que minhas pesquisas possam ser um adicional interessante para o já vasto cenário de estudos em cada temática: a crítica literária e a linguística. Falar sobre assuntos delicados, como feminismo e escravidão, é um grande o para que a crítica literária continue a investigar obras clássicas para além do que inicialmente panfletam. É para trabalhar o pensamento crítico, ler o que está escrito nas entrelinhas, em cada pensamento de personagem ou em cada contexto apresentado. Uma fala de uma personagem ou um espaço dentro da narrativa nunca é apenas aquilo que, à primeira leitura, nos parece”, pontua o pesquisador.
Independência financeira e autonomia
Como uma pessoa com deficiência, Gabriel diz que sempre carregou “uma pequena fração de insegurança e incerteza”. Sensações que apareceram também com a maioridade e a vontade de alcançar a independência financeira. A busca por emprego não foi fácil, mas o “tempo de alegria” chegou quando ele conquistou a vaga de repositor no Supermercado Super Damasceno.
“Além da questão da independência, vi uma oportunidade de trabalhar mais o meu lado social, uma vez que, como aluno EAD e sem muitos amigos na cidade, não costumava sair muito. O medo de não ser aceito, seja pela timidez ou pelo meu jeito nerd/leitor, me assombrou um pouco, mas logo se dissipou. Tão logo, todos me acolheram. Entrei em setembro e, já em dezembro, um seleto grupo de colegas me convidaram para participar de sua confraternização de natal, o que para eu significou muito. Era um símbolo de acolhimento, onde eu me senti querido e necessário para aquelas pessoas”, salienta o egresso.
Gabriel complementa dizendo que “é uma empresa muito querida, que cuida de mim, me ensinou muita coisa quando eu não sabia de nada. É muito importante entrar no mercado de trabalho com uma empresa que gosta e está disposta a ensinar e ajudar a crescer. Sou uma pessoa muito diferente depois que entrei no supermercado: a minha timidez se dissipou ainda mais, o meu lado social aguçou-se”.
O egresso acredita que a trajetória na Uninter contribuiu para a conquista, sobretudo no desenvolvimento da personalidade e desabrochar da timidez. A caminhada no curso também o fez começar a cogitar uma profissão antes não quista, a acadêmica. Gabriel agora tem ânimo com a ideia de espalhar os conhecimentos adquiridos e deseja ser professor no ensino superior, inspirado pelos profissionais que o ajudaram a construir a formação na Uninter.
Autor: Nayara Rosolen - Analista de ComunicaçãoEdição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Arquivo Pessoal